Carta ao Embaixador da Holanda: de uma mulher do sul
Nos últimos anos comecei a trabalhar com os estivadores e conheci os de Roterdão (...) Bom, estes estivadores abrem-me a porta do carro, tratam-me por professora, falam baixo e com bons modos, abrem a porta de um restaurante para eu passar à frente.
Ex.mo Senhor Embaixador da Holanda,
Sou uma mulher do sul, filha de uma senhora do sul, e de um senhor alentejano, ainda mais a sul que o sul. A primeira vez que fui à Holanda foi com os meus pais, e o meu irmão, em 1986 ou 87. Fomos de carro pela Europa, queríamos conhecer o continente em que tínhamos nascido, fomos e somos europeus.
Eu tinha 9 anos. Foi uma aventura por 7 países. Fui depois para a Holanda trabalhar, em adulta, já mãe, doutorada, e na Holanda tenho amigos - um casal dos quais me acolheu na sua casa como filha, na terra do queijo, Gouda. Aprendi muito na Holanda.
Também vi cenas chocantes, como montras em Amesterdão de mulheres - todas migrantes - à venda numa rua, a que dão o nome de distrito vermelho e a legitimidade da legalidade da venda de carne humana.
Também vi cenas chocantes, como montras em Amesterdão de mulheres - todas migrantes - à venda numa rua, a que dão o nome de distrito vermelho e a legitimidade da legalidade da venda de carne humana.
Vermelho para mim na Holanda são os estivadores que fizeram a grande greve contra a deportação dos judeus em 1941 - aí em frente da Sinagoga portuguesa de Amesterdão, como sabe. Foi uma das maiores greves de toda a II Guerra Mundial porque todo o norte de Amesterdão, incluindo os operários navais - que aí continuo a estudar, na sua e na minha Holanda - aderiram a ela. Contra o decreto de trabalho forçado para as fábricas de guerra da Alemanha nazi.
E é por causa dos estivadores que lhes escrevo - nos últimos anos comecei a trabalhar com os estivadores e conheci os de Roterdão, ameaçados de despedimento colectivo pela introdução de gruas automáticas que vão elevar as taxas de remuneração financeiras de um porto de facto privatizado e destruir a vida deles e das suas famílias - uma faixa de mar de mercadorias essenciais de todos que se tornou numa renda fixa dos empréstimos e fundos de pensões da banca europeia, que o Presidente do Eurogrupo representa.
Bom, estes estivadores abrem-me a porta do carro, tratam-me por professora, falam baixo e com bons modos, abrem a porta de um restaurante para eu passar à frente. Além disso quando se encontram com os estivadores espanhóis, portugueses ou gregos abraçam-nos, chamam-lhes "irmão" em vez de chamar p... à mãe deles e bêbado ao pai, que por acaso nem sequer têm dinheiro para comer para pagar os negócios que os seus bancos e os nossos bancos fizeram, como aquele holandês que deu 2 milhões de luvas para uma casa em Vale de Lobo, com garantias de um banco público, 1 milhão a Armando Vara e outro milhão a uma construtora, que os colocou num paraíso fiscal e agora são imparidades da CGD que infelizmente tomam o nome de recapitalização - onde anda esse holandês, Sr. Embaixador?
Pergunto-me, Sr. Embaixador, para evitar outra guerra mundial, em que mais uma vez, cedo ou tarde, os senhores serão invadidos pela Alemanha, e mantermos todos um nível de civilização e chá, não era de se convidar um estivador para presidir ao Eurogrupo?
Com consideração e respeito
Raquel Varela
Investigadora honorária do IIISH Amsterdam, onde coordena o estudo mundial dos operários navais; co-relatora do projecto Automação nos portos (UNL) para o Sindicato Internacional dos Estivadores (IDC). Investigadora da UNL-Portugal.
Veja: Ricardo Araújo Pereira responde a Dijsselbloem:
«Portugal não gastou quase nada em copos e mulheres»
E é por causa dos estivadores que lhes escrevo - nos últimos anos comecei a trabalhar com os estivadores e conheci os de Roterdão, ameaçados de despedimento colectivo pela introdução de gruas automáticas que vão elevar as taxas de remuneração financeiras de um porto de facto privatizado e destruir a vida deles e das suas famílias - uma faixa de mar de mercadorias essenciais de todos que se tornou numa renda fixa dos empréstimos e fundos de pensões da banca europeia, que o Presidente do Eurogrupo representa.
Bom, estes estivadores abrem-me a porta do carro, tratam-me por professora, falam baixo e com bons modos, abrem a porta de um restaurante para eu passar à frente. Além disso quando se encontram com os estivadores espanhóis, portugueses ou gregos abraçam-nos, chamam-lhes "irmão" em vez de chamar p... à mãe deles e bêbado ao pai, que por acaso nem sequer têm dinheiro para comer para pagar os negócios que os seus bancos e os nossos bancos fizeram, como aquele holandês que deu 2 milhões de luvas para uma casa em Vale de Lobo, com garantias de um banco público, 1 milhão a Armando Vara e outro milhão a uma construtora, que os colocou num paraíso fiscal e agora são imparidades da CGD que infelizmente tomam o nome de recapitalização - onde anda esse holandês, Sr. Embaixador?
Pergunto-me, Sr. Embaixador, para evitar outra guerra mundial, em que mais uma vez, cedo ou tarde, os senhores serão invadidos pela Alemanha, e mantermos todos um nível de civilização e chá, não era de se convidar um estivador para presidir ao Eurogrupo?
Com consideração e respeito
Raquel Varela
Investigadora honorária do IIISH Amsterdam, onde coordena o estudo mundial dos operários navais; co-relatora do projecto Automação nos portos (UNL) para o Sindicato Internacional dos Estivadores (IDC). Investigadora da UNL-Portugal.
Veja: Ricardo Araújo Pereira responde a Dijsselbloem:
«Portugal não gastou quase nada em copos e mulheres»