«Furar a greve e manter os lucros da Galp e da Repsol é uma defesa da democracia»
Os camionistas e a democracia
Segundo percebi a greve dos camionistas por salários de 850 euros é uma ameaça à democracia. Mas ameaçar com o exército para furar a greve e manter os lucros da Galp e da Repsol é uma defesa da democracia. Deixem dar-vos uma pequena lição de história - os vossos direitos elementares democráticos foram todos conquistados por ”operários brutos”. Todos. Até o direito a votar ou a dizer barbaridades.
Em 1 ano o Governo alterou a lei laboral para pior - com o aumento do período experimental - mandou uma camião de vidros escuros de furas greves para Setúbal, fez uma requisição civil aos enfermeiros e agora ameaçam com a tropa contra uma greve por salários que, a rigor, são baixíssimos, porque 850 euros é um salário de mera reprodução biológica, e para quem viva numa cidade não dá sequer para pagar casa e comer. A democracia formal Schumpeteriana vem ao de cima rapidamente, explicando os defensores do Estado e da Geringonça ao povo ignorante que têm o direito democrático de ficar calados. Não poder pagar casa, alimentar decentemente os filhos, devem ir pedir prestações sociais de mão estendida e humilhante. E, se lhes passar pela cabeça questionar a total ausência de democracia no dia a dia das suas vidas, esmagadas, levam com a força bruta do Estado.
Gosto sempre de lembrar que não existe "democracia-burguesa", palavra cassete, aliás. É que a democracia foi conquistada historicamente contra a burguesia pelo movimento operário, que obrigou os burgueses (e a aristocracia) a aceitarem, à força, pelas mãos dos operários sujos e brutos, o sufrágio universal, o direito à greve. Numa palavra os operários explicaram à força que era preciso um conjunto de leis para impedir o uso sistemático da força por parte do poder, ou seja, o mínimo de liberdades e garantias formais.
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A greve não é justa, é justíssima. Eu não viveria com 850 euros. Nem nenhum político em Portugal o faz. Nem nenhum patrão o faz. Há 20 anos estes homens ganhavam 2 salários mínimos e meio e eram contratados pela Galp e pela Shell. Agora ganham o salário mínimo e são sub contratados por vários intermediários que democraticamente lhes pagam menos de metade. Os portugueses em vez da tradicional inveja, ver quem ganha menos e é mais miserável, ou ter o desplante de os acusar de falta de democracia, risível - é preciso não saber nada de história para o afirmar! - deviam olhar os camionistas e agradecer-lhes. É que este punhado de algumas centenas não se resignam ao miserabilíssimo modelo social português, o país onde todos os dias as pessoas são humildadas, assediadas e levadas ao limite das suas forças nos locais de trabalho - e onde podem democraticamente continuar a suportar todo o tipo de atropelos aos seus direitos fundamentais. Porque quando se entra na porta das empresas a democracia acabou. Sobrando aos trabalhadores uma única forma de se manterem vivos e dignos - pararem de trabalhar. Chama-se a isso greve. Ou seja, repor a democracia.
Se esta greve for furada pelo exército devemos aos camionistas, que resistam, a democracia. Já lhes devemos algo a esta altura, terem mostrado aos patrões que há limites à brutalidade laboral em que há muito se transformou o país.
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Raquel Varela