Portugal continua a sofrer de corrupção e incompetência - Miguel Szymanski
Como a extrema-direita em Portugal está a capitalizar o desgaste e os fenómenos de corrupção ao centro.

Nas praias e nas esplanadas, mais máscara menos gel desinfectante, está tudo bem no reino de Portugal e dos Algarves.
Mas nas esferas do poder, e nos círculos à sua volta, Portugal, independentemente da actual pandemia, continua um local infecto e doente, a sofrer de corrupção, incompetência e outros achaques.
Dá vontade de emigrar, por todas as razões, menos as dos três ‘C’. O que nos agarra ao país são o Clima, a Comida e a Companhia. Tirando o mar e a praia, o peixe grelhado e os figos, a simpatia das pessoas e os laços familiares, Portugal é uma doença em curso.
A economia, agora de rastos com o Covid, já antes da pandemia estava presa só por arames. A muito proclamada recuperação económica dos últimos anos assentava naquilo a que nos países anglosaxónicos se chama "burger jobs”: empregos mal pagos e de baixa ou nenhuma qualificação.
Em português dir-se-ia: empregos a servir turistas, a embrulhar pastéis de nata e a vender casas a investidores chineses ou reformados franceses. Mas tudo isto com elevada formação: muita gente que arrenda quartos em alojamento local tem um curso de arquitectura ou antropologia, muitos vendedores de casas são sociólogos e geógrafos.

Emigrar, ou não emigrar, eis a questão.
De: Miguel SzymanskiNas praias e nas esplanadas, mais máscara menos gel desinfectante, está tudo bem no reino de Portugal e dos Algarves.
Mas nas esferas do poder, e nos círculos à sua volta, Portugal, independentemente da actual pandemia, continua um local infecto e doente, a sofrer de corrupção, incompetência e outros achaques.
Dá vontade de emigrar, por todas as razões, menos as dos três ‘C’. O que nos agarra ao país são o Clima, a Comida e a Companhia. Tirando o mar e a praia, o peixe grelhado e os figos, a simpatia das pessoas e os laços familiares, Portugal é uma doença em curso.
A economia, agora de rastos com o Covid, já antes da pandemia estava presa só por arames. A muito proclamada recuperação económica dos últimos anos assentava naquilo a que nos países anglosaxónicos se chama "burger jobs”: empregos mal pagos e de baixa ou nenhuma qualificação.
Em português dir-se-ia: empregos a servir turistas, a embrulhar pastéis de nata e a vender casas a investidores chineses ou reformados franceses. Mas tudo isto com elevada formação: muita gente que arrenda quartos em alojamento local tem um curso de arquitectura ou antropologia, muitos vendedores de casas são sociólogos e geógrafos.
Já quem tem cursos de enfermagem ou medicina não hesita em emigrar. Portugal é a história de um doente bipolar, entre a euforia das narrativas de sucesso e a depressão do mundo no país real, entre o discurso político e a inércia política.
Na economia os bancos continuam a bombar liquidez por canais suspeitos e de uma forma que faz lembrar o funcionamento de associações criminosas, mas financiadas pelo Estado com dinheiro de créditos do exterior, que representam, na realidade, uma imparável espiral de endividamento. São as dívidas que está a pagar quem ainda tem trabalho ou rendimentos e, uma dia, continuará a pagar quem hoje ainda usa fraldas e está a aprender a gatinhar.
Depois dos bancos terem recebido a fatia de leão da gigantesca dívida de 78 mil milhões de euros contraída no tempo da Troika nos anos dez, nos anos 20 continua o saque.
Na economia os bancos continuam a bombar liquidez por canais suspeitos e de uma forma que faz lembrar o funcionamento de associações criminosas, mas financiadas pelo Estado com dinheiro de créditos do exterior, que representam, na realidade, uma imparável espiral de endividamento. São as dívidas que está a pagar quem ainda tem trabalho ou rendimentos e, uma dia, continuará a pagar quem hoje ainda usa fraldas e está a aprender a gatinhar.
Depois dos bancos terem recebido a fatia de leão da gigantesca dívida de 78 mil milhões de euros contraída no tempo da Troika nos anos dez, nos anos 20 continua o saque.
Agora com contornos cada vez menos de alta finança, tóxica, e cada vez mais de delinquência, comum (como o caso actual do banco que vendeu imóveis muito abaixo do preço de mercado a uma sociedade, num paraíso fiscal, à qual emprestou dinheiro para concluir esse mesmo negócio, ao mesmo tempo que recebeu injecções de liquidez de milhares de milhões do Estado por, alegadamente, estar em dificuldades).
E porque é que o Estado se presta há tantos anos a financiar os negócios ruinosos e criminosos da banca? A resposta oficial é: porque os bancos têm 'relevância sistémica'. A resposta mais pragmátjca é outra. A banca e as empresas, fundações e organismos no universo bancário são uma espécie de 'agência gold' e de ‘reforma premium’ dos ex-governantes dos últimos 30 anos, onde, como contrapartida do que fizeram na política, terminam as suas carreiras como administradores, altos quadros, consultores, advogados, etc.
Mas o jogo da moderna democracia portuguesa corre o risco de chegar ao fim. Por um lado, o positivo, surgem iniciativas cívicas, como o manifesto a exigir ao Estado transparência e escrutínio na gestão dos fundos europeus, da forma a evitar a gestão danosa. Pelo outro, o negativo, teme-se a ameaça de uma extrema direita populista, xenófoba e saudosista.
O balanço parece, à primeira vista, equilibrado. Mas a cultura cívica, de exigência ética e reforma do sistema, não tem a mesma força e massa crítica que a cultura anti-sistema, farta dos “eles lá em cima” e do saque impune aos dinheiros públicos, tão fácil de instrumentalizar politicamente no momento em que o sistema deixa de controlar a narrativa.
O centro começa a sofrer a erosão causada pelos seus excessos. No xadrez pode, por vezes, ganhar o jogo, ou pelo menos evitar a derrota, quem no momento certo sacrifica uma torre, um bispo, ou até a dama. Mas a queda de um ou dois banqueiros, um entretanto falecido, fora da prisão, um outro que para lá caminha, apesar de ainda relativamente jovem e saudável, e o sacrifício de um ou dois políticos corruptos, serão o suficiente para que tudo fique igual?
O eleitor típico, ao centro, leitor crédulo da narrativa publicada num Expresso, que carregava religiosamente consigo as sábados para o café e em Julho e Agosto para a praia, está a desaparecer juntamente com o jornal que lia - e o mesmo se pode dizer do leitor de um Diário de Notícias, Público ou outros.
Os leitores estão deixar de seguir as interpretações e análises da realidade publicadas na imprensa financiada pelos anunciantes, que, na linha das muitas páginas com anúncios de prostitutas, são sobretudo o sector financeiro e os grandes grupos ligados ao Estado.
E porque é que o Estado se presta há tantos anos a financiar os negócios ruinosos e criminosos da banca? A resposta oficial é: porque os bancos têm 'relevância sistémica'. A resposta mais pragmátjca é outra. A banca e as empresas, fundações e organismos no universo bancário são uma espécie de 'agência gold' e de ‘reforma premium’ dos ex-governantes dos últimos 30 anos, onde, como contrapartida do que fizeram na política, terminam as suas carreiras como administradores, altos quadros, consultores, advogados, etc.
Mas o jogo da moderna democracia portuguesa corre o risco de chegar ao fim. Por um lado, o positivo, surgem iniciativas cívicas, como o manifesto a exigir ao Estado transparência e escrutínio na gestão dos fundos europeus, da forma a evitar a gestão danosa. Pelo outro, o negativo, teme-se a ameaça de uma extrema direita populista, xenófoba e saudosista.
O balanço parece, à primeira vista, equilibrado. Mas a cultura cívica, de exigência ética e reforma do sistema, não tem a mesma força e massa crítica que a cultura anti-sistema, farta dos “eles lá em cima” e do saque impune aos dinheiros públicos, tão fácil de instrumentalizar politicamente no momento em que o sistema deixa de controlar a narrativa.
O centro começa a sofrer a erosão causada pelos seus excessos. No xadrez pode, por vezes, ganhar o jogo, ou pelo menos evitar a derrota, quem no momento certo sacrifica uma torre, um bispo, ou até a dama. Mas a queda de um ou dois banqueiros, um entretanto falecido, fora da prisão, um outro que para lá caminha, apesar de ainda relativamente jovem e saudável, e o sacrifício de um ou dois políticos corruptos, serão o suficiente para que tudo fique igual?
O eleitor típico, ao centro, leitor crédulo da narrativa publicada num Expresso, que carregava religiosamente consigo as sábados para o café e em Julho e Agosto para a praia, está a desaparecer juntamente com o jornal que lia - e o mesmo se pode dizer do leitor de um Diário de Notícias, Público ou outros.
Os leitores estão deixar de seguir as interpretações e análises da realidade publicadas na imprensa financiada pelos anunciantes, que, na linha das muitas páginas com anúncios de prostitutas, são sobretudo o sector financeiro e os grandes grupos ligados ao Estado.
A diferença é que a prostituição e as casas de massagens não têm agenda política. As verdades alinhavadas pela imprensa e as televisões que “vendem presidentes como se vendem sabonetes”, estão a perder peso e influência.
A guerra pela verdade faz-se nas redes sociais, em Portugal sobretudo no Facebook. E aí a extrema direita tem capitalizado o desgaste e a corrupção ao centro. O país, além de muito mais pobre, corre o risco de sair das próximas eleições muito mais radical.
Se não fossem os carapaus alimados, o convívio com os amigos e a cabana na praia ao sol, a emigração seria a única escolha sensata."
Crónica de Miguel Szymanski em português publicada na Alemanha (in Portugal Post, Agosto 2020, jornal português editado em Berlim). Texto amavelmente cedido ao Portugal glorioso pelo autor.
A guerra pela verdade faz-se nas redes sociais, em Portugal sobretudo no Facebook. E aí a extrema direita tem capitalizado o desgaste e a corrupção ao centro. O país, além de muito mais pobre, corre o risco de sair das próximas eleições muito mais radical.
Se não fossem os carapaus alimados, o convívio com os amigos e a cabana na praia ao sol, a emigração seria a única escolha sensata."
Crónica de Miguel Szymanski em português publicada na Alemanha (in Portugal Post, Agosto 2020, jornal português editado em Berlim). Texto amavelmente cedido ao Portugal glorioso pelo autor.