Joana Amaral Dias: «Racista? Eu?!»
Racista? Eu?!
António Costa e Eduardo Cabrita agora encerram os migrantes sem papéis na prisão de Caxias, uma decisão que, caso fosse tomada por algum político de direita seria inevitavelmente lida como um atentado aos direitos humanos. E com razão. A forma como uma sociedade gere e lida com os estrangeiros (sobretudo os pobres) é um excelente barómetro para avaliar o seu grau civilizacional.
Assim, podemos dizer que, entre os escravos de Odemira, as pensões de Lisboa lotadas de explorados asiáticos ou este recurso a instalações prisionais, respeito pela dignidade humana é coisa que não abunda para os lados do Ministério da Administração Interna.
Aliás, para o Primeiro-Ministro, estrangeiro remediado ou rico (como os ingleses da Liga dos Campeões ou os chineses e americanos dos vistos Gold ou isenções fiscais) é estrangeiro luxo. Estrangeiro pé descalço é lixo. Por isso, fecha-os a sete chaves, dissemina a ideia que, à partida, os migrantes devem ser tratados como suspeitos ou criminosos e acha legítimo privar uma pessoa da sua liberdade sem que qualquer crime tenha sido cometido (quase 90% das pessoas detidas pelo SEF apenas apresentaram irregularidades na documentação e nem cometeram crimes nem ameaçaram a segurança nacional).
Pior é que esta opção é recorrente e já no ano passado este executivo deteve vários grupos que chegaram à costa algarvia vindos do Norte de África no estabelecimento prisional do Linhó, sem sequer oportunidade de recorrer a advogados, de apresentar pedidos de Asilo Internacional e sem terem sido notificados para o abandono voluntário do território nacional, quando poderiam, se desejassem, requerer autorização de residência. Ou seja, nesta política não mora excepção. Há padrão. E é terrível.
Salvo raras e extremamente tímidas vozes, estas alarvidades têm passado pelo crivo de muitos supostos activistas, humanistas, da comunicação social e da maioria dos bem-pensantes sem qualquer dificuldade. Aliás, a elite lusa condói-se com a imagem de Luna Reyes, voluntária da Cruz Vermelha espanhola a abraçar um imigrante exaurido, mas engole chuvas bíblicas de sapos e pouco se insurge com os nepaleses, romenos, brasileiros ou paquistaneses traficados em solo português com ou africanos encarcerados por António Costa.
Parece que está há anos planeado um centro de habitação e alojamento temporário para estrangeiros sem papéis em Sintra. Arrasta-se e adia-se. Está visto que não é uma prioridade dar-lhes condições condignas de habitabilidade que respeitem liberdades e garantias.
Mas no dia em que for um líder de extrema direita ou um populista popularucho de cabeça infecta a propor a prisão de "imigrantes ilegais" seguida de expulsão liminar, quem apoia e tem apoiado este governo, há-de arrancar as vestes, os cabelos e bater forte no peito, alheia ao facto de ter aberto o caminho e estendido a passadeira vermelha a todo o tipo de demagogias e de autoritarismos.
Que dirá então a Geringonça e os arautos da solidariedade social? "Fui o primeiro a agir quando muitos estavam distraídos. Bem-vindos, bem-vindos ao combate pela defesa dos direitos humanos", tal com disse Cabrita na sequência da morte de Ihor Homeniúk, o cidadão ucraniano torturado até à morte no Aeroporto de Lisboa? É isso que dirão? Ou apenas se calarão?
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