Previsões de Natália Correia: Portugal Europa
Este texto é hoje uma realidade consumada!
A nossa entrada na CEE vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista.
Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente".
Mais de oitenta por cento do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica.
Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão.
Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?
As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo.
A Comunidade Europeia vai ser um logro.
O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres.
A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir.
Natália Correia (1923 — 1993)
Citações retiradas do livro "O Botequim da Liberdade", de Fernando Dacosta.
Natália de Oliveira Correia (São Miguel, 13 Setembro 1923 — Lisboa, 16 Março 1993) foi uma escritora e poeta portuguesa. Deputada à Assembleia da República (1980-1991), interveio politicamente ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres.
A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Durante as décadas de 1950 e 1960, na sua casa reunia-se uma das mais vibrantes tertúlias de Lisboa, onde compareciam as mais destacadas figuras das artes, das letras e da política (oposicionista) portuguesas e também internacionais.
A partir de 1971, essas reuniões passaram a ter lugar no bar Botequim. Ficou conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas.