«O jornalismo e a sociedade civil não agradeceram o suficiente a Paulo Morais»
"A liberdade de expressão continua sob tutela de um poder hostil ao contraditório e ao pluralismo. A litigância retaliatória reduz cidadãos a servos. É preciso libertar a palavra em Portugal! Muito bem, o Eduardo Dâmaso!"
(João Paulo Batalha)
A omertà dos poderosos
Eduardo Dâmaso [Fonte: Sábado]O jornalismo e a sociedade civil não agradeceram o suficiente a pessoas como Paulo Morais (...) entre outros, que têm feito um trabalho notável para levar uma aragem um pouco mais fresca e límpida à vida pública.
Paulo Morais é uma voz que se tem afirmado, com imensa coragem, na denúncia dos abusos de muitos poderes, seja em que latitude for, sejam quem forem os “incomodados”.
A manipulação dos tribunais por parte de quem tem muito dinheiro é uma das mais poderosas causas de limitação do debate público. Sempre foi assim, desde os confins da história. O mais surpreendente, porém, é que permaneça, como um rolo compressor, a pairar sobre quem teima em falar com liberdade no espaço público.
Os jornalistas, os ativistas de direitos humanos ou de causas como o combate à
corrupção e outras formas de criação de desigualdades, são os grandes alvos do
poder do dinheiro. E as vítimas somos nós, cidadãos, em nome de quem aquelas
vozes assumem o risco de denunciar, expor, revelar, dizer, publicar.
Paulo Morais, ativista de muitas causas, não é uma figura consensual. Nem tem de ser. É apenas uma voz que se tem afirmado, com imensa coragem, na denúncia dos abusos de muitos poderes, seja em que latitude for, sejam quem forem os “incomodados”.
Paulo Morais, ativista de muitas causas, não é uma figura consensual. Nem tem de ser. É apenas uma voz que se tem afirmado, com imensa coragem, na denúncia dos abusos de muitos poderes, seja em que latitude for, sejam quem forem os “incomodados”.
Assume, como poucos, essa obrigação moral de aborrecer algumas figuras,
apontando-lhes o dedo, denunciando, metendo o foco das luzes sobre quem quer
permanecer na obscuridade dos privilégios e da vampirização dos recursos
públicos. A fatura que paga por isso é demasiado elevada.
Nos últimos anos, Paulo Morais tem sido alvo de uma razia de processos judiciais. Foi processado por Isabel dos Santos, por Bornito de Sousa, general e ex-vice-presidente de Angola, pela família Amorim, por Sérvulo Correia, um poderoso advogado, por Guilherme Oliveira Martins, ex-ministro, pela Porto Editora, pelo Grupo Lena e por mais de uma dúzia e meia de queixosos.
Nos últimos anos, Paulo Morais tem sido alvo de uma razia de processos judiciais. Foi processado por Isabel dos Santos, por Bornito de Sousa, general e ex-vice-presidente de Angola, pela família Amorim, por Sérvulo Correia, um poderoso advogado, por Guilherme Oliveira Martins, ex-ministro, pela Porto Editora, pelo Grupo Lena e por mais de uma dúzia e meia de queixosos.
Entre eles, gente que se considerou “difamada” por Paulo Morais insistir em
discutir a cleptocracia angolana e a miséria a que é votado o povo. Ou em
apontar posições de privilégio na contratação pública de serviços jurídicos,
no mercado dos manuais escolares, nos fornecimentos ao Estado.
O presidente da Frente Cívica tem ganho todos os processos e outro cenário seria impensável. Mas a obrigatoriedade de se apresentar em tribunal, as despesas associadas a uma defesa e a deslocações permanentes, as campanhas persecutórias são um pesado fardo. Sobretudo, num País onde não existem mecanismos sólidos de proteção das condições em que se faz o debate público. Onde a sociedade civil não tem padrões de participação e exigência democrática muito elevados. Onde se passa demasiado rapidamente de herói a vilão.
O presidente da Frente Cívica tem ganho todos os processos e outro cenário seria impensável. Mas a obrigatoriedade de se apresentar em tribunal, as despesas associadas a uma defesa e a deslocações permanentes, as campanhas persecutórias são um pesado fardo. Sobretudo, num País onde não existem mecanismos sólidos de proteção das condições em que se faz o debate público. Onde a sociedade civil não tem padrões de participação e exigência democrática muito elevados. Onde se passa demasiado rapidamente de herói a vilão.
Onde se está, cada vez mais, à mercê de poderosas campanhas negativas,
montadas por empresas de comunicação, que recorrem a métodos de legalidade
cada vez mais duvidosa, criando matilhas digitais, recorrendo a detetives
privados, comprando cumplicidades execráveis dentro dos próprios media. Tudo
isso tem sido feito contra Paulo Morais, contra alguns jornalistas, contra
outras pessoas que insistem em escapar à lógica do rebanho.
As grandes convulsões da história, das mais sinistras ditaduras de extrema-direita aos regimes que esmagavam a liberdade individual, como o soviético e o maoísta, não conseguiram eliminar a força das ideias e do legado deixado por figuras como Locke, Stuart Mill, Benjamin Constant, Thomas Jefferson ou Berlin. Esse nervo central da liberdade tem sofrido, é certo, recuos e limitações, agredindo direitos individuais e coletivos.
As grandes convulsões da história, das mais sinistras ditaduras de extrema-direita aos regimes que esmagavam a liberdade individual, como o soviético e o maoísta, não conseguiram eliminar a força das ideias e do legado deixado por figuras como Locke, Stuart Mill, Benjamin Constant, Thomas Jefferson ou Berlin. Esse nervo central da liberdade tem sofrido, é certo, recuos e limitações, agredindo direitos individuais e coletivos.
Sempre que o medo se impôs como mecanismo de regulação social, da pandemia à
guerra, das grandes crises financeiras e económicas a maiorias absolutas que
se aproximam de formas de totalitarismo político isso aconteceu. Mas numa
democracia consolidada, é nossa obrigação fazer um pouco mais para evitar que
o debate público seja empobrecido – ou mesmo eliminado – pela lógica
clientelar dos interesses obscuros, pelos detentores do dinheiro roubado a
países e a povos, pelos que enchem a boca com a democracia mas não consentem
um debate mais forte.
Nesse sentido, o jornalismo e a sociedade civil não agradeceram o suficiente a pessoas como Paulo Morais e o professor Jónatas Machado, entre outros, que têm feito um trabalho notável para levar uma aragem um pouco mais fresca e límpida à vida pública.
Nesse sentido, o jornalismo e a sociedade civil não agradeceram o suficiente a pessoas como Paulo Morais e o professor Jónatas Machado, entre outros, que têm feito um trabalho notável para levar uma aragem um pouco mais fresca e límpida à vida pública.
Jónatas Machado, professor da faculdade de Direito de Coimbra, diretor do
Centro de Direitos Humanos, é o pioneiro do combate contra os chamados
“processos SLAPP”, ou ações judiciais estratégicas contra participação
pública, que apenas visam silenciar e punir os cidadãos que denunciam
injustiças.
Os “SLAPP” são uma forma de obter a omertà mafiosa e já foram suprimidos em
países como os EUA, a Austrália e o Canadá. Estão no centro de uma discussão
na União Europeia, tendo em vista a criação de uma diretiva que proíba esta
litigância retaliatória. Está na hora de alavancar este objetivo com o apoio
de todos. Quem não compreender que esta é uma forma de consolidar a
democracia, de dar uma voz aos que não a têm, percebe pouco dos grandes
debates do nosso tempo. O dinheiro é o rei da nossa sociedade, mas não pode
vencer sempre. Sobretudo se for usado contra regras básicas de democracia.
Eduardo Dâmaso
Eduardo Dâmaso